Armas para viver mais seguros?
23 de novembro de 2021 // Violência e Criminalidade
Contextualização da sociedade do medo
A filósofa alemã Hannah Arendt disserta sobre como a violência exerce um papel para dramatizar causas e trazê-las a interesse público. Essa forma de expor significa que a violência causa transtornos, é como uma pedra no sapato e por essa razão sujeita a todos os que estão acomodados em seu bem-estar a refletir sobre essa relação, visto que poucos escapam do seu raio de influência e de sua atuação. A sensação de insegurança e o medo estão presentes na vida de grande parte da população.
A violência incide direta e indiretamente no país. O sentimento de amedrontamento devasta grande parte da sociedade, a qual não deposita mais confiança no Estado para sua proteção e segurança. Assim, os cidadãos procuram outros modos para se defenderem e preservarem suas famílias em segurança. E é nesse aspecto que surge o tema do armamento.
Em virtude da insegurança e do medo, os indivíduos consideram que o armamento exercerá um impacto de diminuição nos índices de criminalidade, pois, como a vítima tem receio do criminoso, o criminoso também passará a ter apreensão da vítima.
Nesse sentido, vemos que nos últimos anos, a questão da segurança pública começou a ser apontada como uma das principais problemáticas e um dos grandes obstáculos do Estado de direito no Brasil.
A cultura armamentista não era tão intensa no Brasil como nos Estados Unidos, o qual é conhecido por ter uma boa parcela da população armada. Entretanto, o Ministério da Economia apresentou dados sobre a importação de revólveres e pistolas, chegando ao número de US$29,3 milhões de dólares, o qual revela um aumento significativo desde 2017.
Na atualidade, essa expansão desse mercado teve como fator propício a essa ocasião o sentimento de insegurança por parte das pessoas, especialmente nos centros urbanos, como declara o cientista político Matheus Leone, formado pela UnB (Universidade de Brasília). Além de acrescentar que não se pode ignorar o fato que há o incentivo narrativo do atual governo para o armamento civil. “O centro disso é uma certa romantização das armas de fogo como política pública de segurança, mas elas não são.” afirma Leone.
Paralelo histórico da questão do armamento no Brasil
A garantia de ir e vir com segurança é uma garantia estabelecida pela Constituição Federal de 1988, e é de incumbência do Estado assegurá-lo. Até 2003, as armas eram de fácil acesso aos brasileiros, sendo possível adquirir um revólver ou uma pistola em qualquer loja de artigos esportivos. Nesse período, o índice de violência e o número de mortes cresceram consideravelmente e tal situação era atribuída ao uso de armas de fogo legalmente comercializadas.
Por essa razão, em 22 de dezembro de 2003, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 10.826/03, denominado de Estatuto do Desarmamento, o qual introduziu atualizações na legislação sobre registro, porte e comércio de armas de fogo no Brasil e restringiu o acesso às armas. O principal propósito que proporcionou a formação do Estatuto do Desarmamento foi a regulamentação do porte e a posse de armas de fogo por civis, bem como reduzir as estatísticas de mortes provocadas por disparo de arma de fogo.
No início de 2019, o atual presidente, Jair Bolsonaro, assinou o Decreto de n° 9.685 com o objetivo de alterar o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004 (que determina e regulamenta o estatuto do desarmamento, o qual se apossa sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição), o novo decreto implementou novos critérios relativos ao registro e posse de armas. Contudo, esse decreto mencionado foi revogado por ser apontado como inconstitucional.
A questão do armamento no cenário escolar
A flexibilização do porte e posse de armas pode afetar o ambiente escolar e nisso, é preciso refletir sobre quais as consequências. Os homicídios atingem mais à população jovem, e a prevalência de armas na população atinge muitas esferas.
O apelo às armas em brigas e confrontos, em tempos de intensificação da violência no meio social, essa conjuntura acompanha em grande medida a escola. O aparecimento de armas em instituições de ensino é sinônimo de extrema insegurança, significando o intuito do indivíduo de proteger-se ou até mesmo de exibir-se.
As armas como recurso de apelação podem demonstrar a necessidade do reconhecimento da masculinidade, da autoridade e de comportamentos viris, mostrando o enaltecimento do bandido como herói, ao qual muitos jovens relacionam poder e força. Nesse viés, a presença de armas no espaço escolar revela a noção de que a escola deixou de ser um local protegido e seguro.
Assim, surge o questionamento sobre a facilidade com que os jovens obtêm principalmente armas de fogo, as quais podem ser usadas para a defesa, mas também como símbolo de masculinidade, utilizado de maneira exibicionista entre os colegas da escola.
A posse de uma arma em episódios de conflito amplia a possibilidade de que discussões e conflitos possam ter um fim catastrófico. Em registros é visto que as armas são usadas na comunidade escolar para intimidação física e de acordo com alguns alunos, como defesa. A relação entre armas e violência pode fomentar a sensação de insegurança existente no meio de ensino, já que a escola começa a ser colocada como um local desprotegido e inseguro, o qual se está exposto à vulnerabilidade de situações violentas, especialmente se nesse ambiente não há aparatos de proteção.
Uma grande questão para o Estado é sobre como amenizar esse cenário de violência e criminalidade nas escolas. De acordo com o Programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, em 2016, 115 crianças e adolescentes perderam a vida em Santa Catarina, em decorrência do uso de armas de fogo. “Escola é um lugar de socialização e saber, não é um lugar para se levar armas“, diz Miriam Abramovay, especialista em violência no ambiente escolar.
Esses números mostram mais uma vez a importância e urgência de avaliar minuciosamente as políticas de armamento, as quais refletem e têm impacto na educação quando se fala de violência nesse ambiente.
O Projeto de Lei 6438/19, do Executivo, autoriza o porte de armas para variadas categorias, como: guardas municipais, polícia penal, auditores agropecuários, peritos criminais, agentes de trânsito, oficiais de justiça, agentes de fiscalização ambiental defensores, advogados públicos e agentes socioeducativos. Dessa forma, pensando que os agentes socioeducativos trabalham com o desenvolvimento pedagógico e ressocializador, quais as consequências da liberação de porte de armas para esse grupo?
Ademais, especialistas apontam que em decorrência da lei poderia gerar um crescimento de números de assassinatos, de acidentes domésticos, risco de suicídio de crianças e adolescentes, além de agravar a violência letal contra crianças e adolescentes negros.
A violência escolar
Roubos, agressões físicas e verbais, tráfico e uso de drogas são uma parte do cotidiano de diversas instituições de ensino. As escolas não vêm sendo mais um local de segurança e proteção. Nas últimas décadas o que se vê é um crescimento generalizado da violência dentro dos portões das escolas em todo o Brasil.
A escola coloca-se como um ambiente voltado para a socialização, conhecimentos e o desenvolvimento da construção intelectual, moral e ética do aluno. No entanto, o ensino do aluno não é a única preocupação das instituições educacionais, pois elementos como a violência vêm sendo cada vez mais recorrentes no processo educacional. Uma situação que não só lesa o processo de ensino-aprendizagem dos jovens, mas também ocasiona na preocupação de como combater essa violência.
Mas afinal, qual a relação entre os fatores que levam os jovens a praticar atos violentos e suas implicações?
A violência na escola é um indicativo sobre a própria deficiência de avanço pedagógico e institucional no ambiente escolar. As implicações são que o trabalho dos professores passa a sofrer danos pelo mau comportamento dos alunos.
Nesse sentido, a violência deve ser analisada contemplando todos os aspectos que acarretam essas atitudes no estudante:
relações sociais com familiares e amigos.
momento histórico do aluno.
sua história de vida.
a conduta apresentada durante as atividades em sala de aula e no contexto escolar.
Assim, vemos que as razões da violência apresentam diferentes motivações como as condições econômicas, sociais, políticas e culturais no meio o qual o aluno encontra-se. Dessa maneira, em um local que já tem a presença da violência e da criminalidade em união a fatores pessoais de um aluno propicia a continuidade desse ciclo.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, M; CUNHA, A. L; CALAF, P.P. Revelando tramas, descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas. Brasília: Rede de Informação Tecnológica Latino-americana – RITLA, Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal – SEEDF, 2009. Disponível em: http://www.miriamabramovay.com/site/index.php?option=com_ docman&task=doc_download&gid=24&Itemid=
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Feijó RB, Oliveira EA. Comportamento de risco na adolescência. J Pediatr (Rio J.) 2001; 77:125-34.