
06 de maio de 2019 // Agenda Socioemocional
Em uma sala de aula, encontramos alunos com boas notas e alunos com notas ruins. Entre esses alunos, existem aqueles que demonstram maior facilidade com matemática, linguagens ou até mesmo artes e esportes. Por outro lado, também encontramos alunos motivados a vencer os desafios percorridos durante a sua vida educacional, impulsionados pela vontade de aprender com os próprios erros, e alunos que, ao se depararem com dificuldades neste caminho, passam a enxergar o próprio esforço e dedicação no aprendizado como infrutíferos. Não obstante, também encontramos bons e maus professores: alguns mais experientes, outros mais escolarizados, mas, sobretudo, professores capazes de perceber o verdadeiro potencial de seus alunos, motivados na sua missão de instruí-los, e professores com baixa expectativa no processo educacional, seja pela crença de que seus alunos não são capazes de aprender ou pela crença de que ele próprio não é capaz de ensinar.
Em estudo seminal, Rosenthal e Jacobson (1968) mostram a importância das crenças e expectativas de professores e alunos no processo educacional. Neste estudo, os autores submeteram os alunos de uma escola primária da Califórnia a um teste de QI no início do ano letivo e informaram aos professores qual havia sido o desempenho dos alunos nesse teste. Essa informação, entretanto, foi entregue aos professores após uma aleatorização dos resultados, isto é, as notas recebidas pelos professores não refletiam, de fato, o verdadeiro desempenho dos alunos individualmente. No final do ano, os autores realizaram um novo teste com os alunos e notaram que aqueles apontados aos professores como mais promissores no início do experimento obtiveram um desempenho acima da média para aquele ano, ainda que a informação inicial sobre seu desempenho não fosse verdadeira, gerando o chamado efeito Pygmalion.
O efeito Pygmalion retrata o impacto que as crenças e expectativas dos agentes educacionais tem sobre a própria qualidade da educação: se os professores acreditam que seus alunos são ruins ou tem pouco potencial de aprendizagem, agem de acordo e produzem um ciclo perverso de reforço às baixas expectativas de aprendizado. O fluxo de expectativas existentes entre professores e alunos influencia, portanto, não apenas a crença de um professor sobre o potencial de seus alunos, mas também a crença dos próprios alunos sobre seu potencial. O estudo de Rosenthal e Jacobson (1968) sobre este efeito inaugura uma importante agenda de pesquisa em educação que se preocupa com as chamadas Profecias Autorrealizáveis, isto é, prognósticos falsos que, ao se tornarem crenças, provocam a sua própria concretização.
As expectativas dos professores, por sua vez, podem ser influenciadas por diversas características. Em um experimento recente realizado na Índia, por exemplo, Hanna e Linden (2012) entregaram provas de estudantes fictícios a um grupo de professores. A única diferença observada nas provas era o sobrenome dos alunos. Os autores notaram que as provas de alunos com sobrenomes que remetiam a castas e classes sociais mais baixas receberam notas menores que a média. No Brasil, Botelho, Madeira e Rangel (2015) mostram que professores tendem a atribuir notas mais baixas para alunos negros, ainda que estes desempenhem tão bem quanto outros alunos brancos em testes de proficiência. Ainda, Gershenson, Holt e Papageorge (2016) evidenciam que a identificação professor-aluno pode ser uma variável importante para a determinação das expectativas dos professores: professores brancos de alunos negros tem expectativas consideravelmente mais baixas sobre seus alunos que professores também negros.
Sob outra perspectiva, a crença dos professores sobre seu próprio potencial e sua motivação no trabalho também podem afetar significativamente o processo de aprendizagem dos alunos. Por esse motivo, a recente explosão de uma literatura voltada para o conjunto de crenças que as pessoas possuem sobre suas próprias habilidades e suas atitudes em relação à vida atraiu olhares de diversos pesquisadores pelo mundo. A teoria de Mindset, desenvolvida por Dweck (2006), fragmenta-se em dois tipos de mentalidade a saber: Mindset Fixo e Mindset de Crescimento. As pessoas de Mindset Fixo creem que suas habilidades são pouco (ou nada) maleáveis, isto é, não podem ser desenvolvidas ao longo da vida, e, por conseguinte, lidam pior com situações de fracasso, tem menos incentivos ao esforço e se preocupam demais em parecer bons. Já as pessoas de Mindset de Crescimento acreditam que a quantidade de esforço que colocam sobre seus objetivos e tarefas é determinante para o seu sucesso e, principalmente, para a sua aprendizagem.
Desde então, diversos estudos tem mostrado que o Mindset das pessoas tem forte relação com diferentes medidas de resultado. Blackwell, Trzesniewski e Dweck (2007), por exemplo, mostram que alunos com Mindset de Crescimento apresentam um maior desempenho acadêmico que alunos com Mindset Fixo ao longo da vida escolar. Por outro lado, o Mindset dos indivíduos também pode variar de acordo com diferentes características: Claro, Paunesku e Dweck (2016) evidenciam a relação existente entre o tipo de Mindset e o nivel socioeconômico de alunos. De acordo com os autores, estudantes de baixa renda tendem a ter, predominantemente, Mindset Fixo, enquanto que estudantes de alta renda tendem a ter Mindsets bem distribuídos.
Em relação aos professores, especificamente, ainda existem poucas evidências acerca da relação entre o Mindset destes e a atividade docente. O que sabemos, entretanto, é que o Mindset dos professores está fortemente relacionado com as suas práticas em sala de aula: professores com Mindset Fixo tendem a terceirizar culpas sobre possíveis falhas no processo educacional, isto é, atribuem o fracasso do ensino à uma suposta falta de capacidade dos alunos. Além disso, estes professores priorizam, de forma geral, ações que justifiquem maus resultados ao invés de buscar estratégias que possam melhorar seu desempenho como professor (RATTAN, GOOD, DWECK, 2012). Não obstante, Sun (2018) mostra que professores com Mindset Fixo também podem adotar práticas que promovam a cultura do Mindset de Crescimento em sala de aula, sugerindo que estudantes não necessariamente desenvolverão um Mindset semelhante ao de seus professores, ainda que as práticas adotadas pelos professores em sala de aula sejam um reflexo do Mindset destes. Além disso, reforça também a capacidade de possíveis intervenções que tenham como objetivo influenciar essas práticas pedagógicas.
A literatura sobre crenças e expectativas no processo educacional é extensa, evidenciando a natureza complexa e subjetiva do ensino. Ademais, há muito tempo entende-se que o desempenho de alunos e professores não depende apenas de traços objetivos e puramente cognitivos, mas de uma mistura de traços objetivos e subjetivos (HANUSHEK, 1986; HANUSHEK, 1992). Heckman, Stixrud e Urzua (2006), por exemplo, mostram que habilidades não cognitivas (como motivação, confiança, curiosidade, etc) são tão importantes quanto as habilidades cognitivas para determinar o sucesso econômico e social de um indivíduo. Ainda, apesar da existência de fortes evidências acerca do importante papel desempenhado pelos professores no processo de aprendizagem dos alunos, há uma importante lacuna acerca de quais características dos professores são responsáveis, de fato, por um melhor aprendizado dos alunos (RIVKIN, HANUSHEK, KAIN, 2005; AARONSON, BARROW, SANDER, 2007).
Nesse sentido, diversos países enfrentam a dificuldade de conseguir recrutar e manter os melhores talentos na atividade docente, especialmente no que tange à motivação dos professores em seu trabalho: Hanushek, Kain e Rivkin (2004) mostram que esse é um problema ainda maior em escolas públicas que atendem estudantes em situações de vulnerabilidade, destacando, sobretudo, o papel que as expectativas dos professores podem exercer sobre a desigualdade. No Brasil, por exemplo, os baixos índices de desempenho escolar e o insucesso de diversas políticas públicas educacionais alertam para a urgente necessidade de se entender melhor as causas dessa baixa performance, bem como de se entender quais políticas educacionais podem, de fato, modificar o persistente ciclo de desigualdade promovido pelo sistema de ensino brasileiro, especialmente porque já existem evidências positivas acerca do papel que as práticas pedagógicas adotadas pelos professores podem exercer sobre o desempenho dos alunos (FERNANDES, FERRAZ, 2014).
Amparadas sob o guarda-chuva de uma forte e mais ampla literatura que relaciona desempenho acadêmico e sucesso individual tanto com habilidades cognitivas quanto com habilidades não cognitivas, as teorias de inteligência, que envolvem o conjunto de expectativas e crenças de professores e alunos sobre suas próprias habilidades e sobre o processo educacional como um todo, parecem fornecer um caminho interessante, mas ainda inexplorado no Brasil, para entender quais são os determinantes do desempenho de professores e alunos e para apoiar o desenvolvimento de políticas públicas que visem combater desigualdades e promover práticas de incentivo à motivação, autoconfiança, esperança no aprendizado, etc.